quinta-feira, dezembro 27, 2007

As vozes de "Zeca" - 3 (Negro esperança)

O 3º post da série dedicada aos artistas que têm cantado, e honrado a obra de José Afonso vai mais uma vez ao encontro de uma extraordinária voz feminina.
Aproveitando também a maré de sucesso e reconhecimento tanto a nível nacional como internacional, é justo, falar de Mariza.

Da voz…que dizer? Mas quando a juntar a isso parece transparecer humildade, generosidade, simpatia e simplicidade para com o público, imprensa, é de louvar que estejamos tão bem representados na voz de uma pessoa que parece cultivar essas qualidades.

O ar jovem e bem disposto de alguém cuja imagem é já esteticamente forte, é salutar na música portuguesa em geral e muito particularmente no fado. Menino do Bairro Negro, é uma composição belíssima de Zeca Afonso, com uma mensagem de esperança às mais humildes existências. Numa versão transformada em fado, não será melhor que o original…diferente é sem dúvida, e bonita com toda a certeza.





Menino Do Bairro Negro
Mariza

Composição: José Afonso



Olha o sol que vai nascendo,
Anda ver o mar,
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão,
Vem ver a luz

Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Virá também

Negro, Bairro negro,
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

Olha o sol
Que vai nascendo...
Se até dá gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti?

Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver

Negro bairro negro,
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção
Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar

sábado, dezembro 08, 2007

As vozes de "zeca" - 2

Se de uma composição genial de José Afonso juntar-mos a qualidade musical dos Madredeus e a voz de Tereza Salgueiro resulta algo parecido com isto:



Maio Maduro Maio

Maio maduro Maio
Quem te pintou
Quem te quebrou o encanto
Nunca te amou
Raiava o Sol já no Sul
E uma falua vinha
Lá de Istambul

Sempre depois da sesta
Chamando as flores
Era o dia da festa
Maio de amores
Era o dia de cantar
E uma falua andavaA
o longe a varar

Maio com meu amigo
Quem dera já
Sempre depois do trigo
Se cantará
Qu'importa a fúria do mar
Que a voz não te esmoreça
Vamos lutar

Numa rua comprida
El-rei pastor
Vende o soro da vida
Que mata a dor
Venham ver, Maio nasceu
Que a voz não te esmoreça
A turba rompeu

José Afonso

sexta-feira, novembro 30, 2007

As vozes de "zeca" - 1

Falar da cultura musical Portuguesa do séc. xx obriga-nos a referir como um dos seus maiores marcos a obra de José Afonso.

Uma das coisas que mais me irrita é o fundamentalismo político de pessoas que, qual asno de palas nos olhos, se recusa a ver o óbvio. “Zeca” é muito mais que politica ou cantigas revolucionárias.

“Zeca” nunca deixou de assumir os ideais de esquerda, e o seu espírito revolucionário, infelizmente ser honesto e assumir de peito aberto a luta pelo que se acredita nem sempre compensa neste país. Mas a obra de José Afonso é poesia, é fado de Coimbra, são baladas, composições musicais belíssimas tanto ao nível do tradicionalismo musical português como na abertura de novas portas para a fuga ao marasmo criativo mostrando o caminho para uma vertente inovadora e futurista que muitas das suas obras representaram para a época.
Hoje, cada vez mais o pudor se desvanece e os “novos” artistas cantam “José Afonso”, dando uma nova dimensão à sua obra. O Grito de revolta foi dado pelos “Filhos da Madrugada”, depois já outros seguiram esse caminho. Cristina Branco foi a mais recente, gravando um disco em que interpreta temas de “José Afonso” com novos arranjos e sonoridades.
Ao logo de uma série de posts vou dar a conhecer, ou apenas relembrar alguns dos melhores exemplos da “renovada” obra de José Afonso, porque o que é bom jamais será passado, e nem tudo o que é velho é para guardar na arca das recordações.

Para começar Cristina branco interpretando “redondo vocábulo”, arrisco a dizer que Zeca ficaria orgulhoso ao ouvir esta versão irrepreensivelmente cantada por tão bela voz:





Era um redondo vocábulo

Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa

quinta-feira, novembro 15, 2007

Acordar Tarde

Um dos poetas portugueses contemporâneos de maior valor, deu-se pelo pseudónimo Al Berto. Nascido em 1948 deixou-nos em 1997. Foi a partir de 1971 que se dedicou exclusivamente á literatura tendo deixado uma obra de grande valor para a cultura e língua portuguesa.
AQUI é possível consultar parte da sua obra e a sua biografia.

Um dos mais belos poemas de Al Berto foi, em 2004, interpretado por Jorge palma e incluído no seu álbum “Norte”. Um dos melhores discos, na minha opinião da carreira de Jorge Palma de onde se pode destacar uma qualidade instrumental notável e onde sobressai entre outros a contribuição do contrabaixista português Carlos Bica, um dos músicos nacionais mais requisitados e conceituados no estrangeiro.
“Acordar Tarde” é o nome do poema que virou canção pelas mãos (e voz) de:
Piano e Voz - Jorge Palma
Contrabaixo - Carlos Bica
Clarinetes baixo e si bemol – Paulo Gaspar
Guitarra eléctrica – Marco Nunes
Baixo eléctrico – Miguel Barros
Bateria – André Hollanda
Secção de cordas dirigida por António Augusto Gaspar


A junção desta boa gente deu numa música que começa na melancolia, para explodir num poderoso instrumental e acabar de novo no lento embalo dos sentidos, num sussurrar dos últimos versos.

Este é o Vídeo que fiz para aqui colocar. Espero que gostem mas o melhor é mesmo ir lendo o poema que lhes deixo logo de seguida.


Acordar tarde

tocas as flores murchas que alguém te ofereceu
quando o rio parou de correr e a noite
foi tão luminosa quanto a mota que falhou
a curva - e o serviço postal não funcionou
no dia seguinte

procuras ávido aquilo que o mar não devorou
e passas a língua na cola dos selos lambidos
por assassinos - e a tua mão segurando a faca
cujo gume possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais - nada a fazer

irás sozinho vida dentro
os braços estendidos como se entrasses na água
o corpo num arco de pedra tenso simulando
a casa onde me abrigo do mortal brilho do meio-dia

A propósito de Jorge Palma… na próxima terça-feira dia 20 todos ao coliseu! Eu vou lá estar eheheh e roam-se de inveja os que não forem porque tenho a sensação que vai ser daqueles concertos que dificilmente se esquecem!

segunda-feira, novembro 05, 2007

Letras

"Trocaria a memória de todos os beijos que me deste por um único beijo teu. E trocaria até esse beijo pela suspeita de uma saudade tua, de um único beijo que te dei." Miguel Esteves Cardoso


Nem só de prémios Nobel, de Lobos Antunes e demais notáveis são feitas as nossas letras.
Nem só de romances e romancistas, de poemas e poetas se faz a literatura.
O escritor português do qual li mais obras chama-se Miguel Esteves Cardoso, não os romances que escreveu, mas sim os seus livros de crónicas.
“A causa das coisas”, “As minhas aventuras na republica portuguesa”, e “O último volume” entre alguns outros são exemplos da genialidade do autor.
Da análise brilhante da tragédia até à gargalhada vinda do humor corrosivo e irreverente é um pequeno passo.
Miguel Esteves Cardoso é um crítico, escritor e destacado jornalista português, licenciou-se em Estudos Políticos e Doutorou-se em Filosofia Política.

Desde o arrebatador "Elogio ao Amor" até às hilariantes explicações dos mais peculiares hábitos do cidadão português, Esteves Cardoso mostra compreender como poucos o país e o seu povo. Ensina-nos que a tomada de consciência dos nossos defeitos e virtudes passa em primeira instância pela capacidade de rir de nós próprios…de levar o exagero ao ponto do ridículo e mesmo assim ser sábio nas palavras ditas.

Talvez o seu lado polémico e excentrico acentuado por aparições em programas televisivos como "raios e curiscos" ou "a noite da má língua", ou a participação ao lado de Paulo Portas no jornal "O Independente" tenham desviado a atenção de muitos da sua verdadeira capacida literária...mas os livros estão à venda logo ainda não é tarde para quem quiser descobrir um grande autor!

"(...) Quando se é feliz muito novo, a única obsessão que se tem é aguentar a coisa. Vive-se ansiosamente com a desconfiança, quase certeza da coisa piorar. O pior é que as pessoas que se habituaram a serem felizes não sabem sofrer. Sofrem o triplo de quem já sofreu.É injusto mas é assim. No amor é igual. Vive-se à espera dele e, quando finalmente se alcança, vive-se com medo de perdê-lo. E depois de perdê-lo, já não há mais nada para esperar. Continuar é como morrer. As pessoas haviam de encontrar o grande amor das suas vidas só quando fossem velhas. É sempre melhor viver antes da felicidade do que depois dela." Miguel Esteves Cardoso

terça-feira, outubro 02, 2007

Venham mais 20....


A brincar a brincar, já lá vão 20 anos de estrada…

Tudo começou em Tomar na quinta do sr. Guilherme, cuja alcunha era “Bill”…o resto é história.

Com pezinhos de lã, os Quinta do Bill vingaram pela seriedade e pela qualidade musical.
Comemoram por estes dias 20 anos de carreira. Nunca se “venderam” ao som comercial das modas que ao longo de muitos anos de carreira fizeram a tentação de muitos outros.
A qualidade instrumental, bem como a diversidade de instrumentos que enchem o palco quando os quinta do bill tocam, é para mim a chave do sucesso. A sonoridade da banda é diferenciada, por vezes um pouco “country”, ou talvez com algo de “celta”, tribal, certamente com muito rock…mas tradicional também! Alguém consegue definir melhor?

O primeiro grande impulso mediático foi dado com os “filhos da nação”, musica essa que está definitiva e irremediavelmente “doada” para a eternidade ao cancioneiro da musica portuguesa.

Mas se formos contar, os sucessos não se contam facilmente pelos dedos…"No trilho do sol" , "Se te amo" , A única das amantes, voa, Sra. Maria do olival, entre outras são todas elas canções que foram ficando de forma a que todos nós as saibamos no mínimo trautear.

A entrega da banda à cultura popular foi sempre inquestionável, "Menino" é um exemplo de uma musica do tradicional cancioneiro popular “reciclada” pela quinta do bill que lhe deu uma energia contagiante!

Mais recentemente surgiu, quem sabe, o disco mais conseguido da banda “A Hora das Colmeias”, as letras…a poesia que é cantada saiu das mãos de gente como Tim, Pedro Abronhosa, José Luís Peixoto, Adolfo Luxúria Canibal, João Afonso entre outros…
A música, O Mundo para ti, escrita por José Luís Peixoto, é arrebatadora na força do refrão impulsionado pela tremenda força do “coro” de violinos sempre em crescendo…


O MUNDO PARA TI
José Luís Peixoto

Procuro o teu olhar urgente
Como ternura devagar
Como inocência de repente
Distingo a lua do luar

Caminho e corro sem saber
Toda a distância da vida
Quero encontra-te para aprender
Labirintos sem saída

Oh, eu hoje acredito que o mundo
Nasceu para tiOh, eu hoje acredito que o mundo
Existe para ti

Tantas planícies na terra
para te dedicar
Os horizontes e o céu
Para te oferecer
Todo o tamanho do mar
Montanhas altas para te dar

Oh, eu hoje acredito que o mundo
Nasceu para ti
Oh, eu hoje acredito que o mundo
Existe para ti
O mundo para ti

Só para ti

Vem, espero por ti
Tenho o mundo para te oferecer
Oh, eu hoje acredito que o mundo

Nasceu para ti
O mundo para ti

Só para ti

http://www.myspace.com/quintadobill

terça-feira, setembro 18, 2007

Umpletrue




Que me perdoem os que estão habituados a que aqui apareçam artistas consagrados de reconhecida obra, mas desta vez, e porque se um familiar vosso tivesse uma banda fariam o mesmo (…ou não) vou tomar a liberdade de publicitar um projecto em cuja qualidade eu acredito convictamente mas que só agora começa a estar disponível ao grande publico.

Os Umpletrue nasceram em finais de 2003 na Marinha Grande assumindo a sonoridade Electro / Pop.
Foram finalistas do Termómetro Unplugged, vencedores do Festival Música Moderna Palmela, e têm actuado um pouco por todo o país, assim como merecido o destaque no programa da antena 3 ”Portugália” de Henrique Amaro.
Em finais de 2004, lançaram em nome próprio o seu primeiro EP "Pills". Em 2006, lançaram também em nome próprio e em estilo de EP, "Fab Fight" que lhes valeu, entre outros concertos, uma deslocação a Budapeste, na Hungria para participar no LSC Festival
Na plateia encontravam-se Adolfo Luxúria Canibal e António Rafael que se renderam à banda e, como responsáveis da editora Cobra Discos (Braga), resolveram editar Umpletrue.No inicio de 2007, assinaram então com a Cobra Discos e o resultado é a edição oficial de "Fab Fight" lançado no mercado no dia 13 de Setembro de 2007. (texto parcialmente roubado daqui )





NO MYSPACE DOS UMPLETRUE PODEM OUVIR E SABER MAIS http://www.myspace.com/umpletrueband.

AQUI FICA O CALENDÁRIO DO TOUR DE "FAB FIGHT"

sexta-feira, agosto 31, 2007

Porto Cantado

Rui Veloso é sem margem para discussões um dos nomes maiores da música portuguesa, ao longo de décadas de carreira foi coleccionando um extenso rol de canções que reservaram o seu lugar na eternidade da história da nossa música.

Das canções mais populares que todos sabemos pelo menos trautear, passando por algumas das mais belas composições a que nenhum coração fica indiferente.
É justo, no entanto, dividir o mérito do seu sucesso com Carlos Tê, genial escritor de canções que mantém uma forte relação de cumplicidade com Rui Veloso.

Porto Sentido é para mim uma canção cuja proximidade da perfeição faz arrepiar a pele de quem, mesmo que por um só dia, contemplou ao vivo a cidade do Porto. Mais que uma canção, é o mais perfeito retrato cantado que podemos contemplar de tão belo lugar. Os sons e as palavras pintam na tela da paisagem Portuense o retrato perfeito da melancolia que mais parece inventada de uma cidade que respira o fulgor da vida na alegria da sua gente, na encantada sombra das suas ruas e no d’ouro que é o rio que no Porto cresce para o mar no auge da sua beleza.
Vale a pena atravessar a ponte, para no outro lado superar o choque do jeito fechado e sombrio e descobrir todo o brilho de uma cidade quem sabe receber que chega de novo, e que consegue roubar um pouco do coração de todos os que um dia se aventuraram a apaixonar-se por ela.


sábado, agosto 04, 2007

O tempero da cor

Se da cultura portuguesa se trata neste espaço, esquecemos por vezes em boa verdade que um país do tamanho de nosso é pequeno para sózinho ser dono de tanta riqueza. .
É pequeno o país porque o império português não se esgota nem acaba com a descolonização, nem tão pouco em livros poeirentos de História mais ou menos remota.
A nossa cultura, chega-nos ainda hoje com o cheiro doce de cacau brasileiro, ou com o calor de uma dança africana temperada com as melhores especiarias orientais.
Da voz dos nossos artistas chega tudo isto, numa mistura de sabores e odores, de danças e esperanças que nos lembram que sós não teríamos tudo o que temos nem seremos metade do que podemos ser.
No abraçar de cores distantes no espaço mas próximas no coração está a chave para mais momentos com este…



…nascido do poema de Alda Lara:

Mãe Negra

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendonas folhas do cajueiro
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?
Quem ouve agora as histórias que costumava contar?
Mãe-Negra não sabe nada
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo Mãe-Negra!
Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias que costumavas contar
Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada.
(Alda Lara, 1951)

segunda-feira, julho 23, 2007

Almada Negreiros



"Namoro" Almada Negreiros



panorama

Estorva-me a terra por causa do sonho
estorva-me o sonho por causa da terra
eu ando na guerra do sonho com a terra.
Senhores empregados do mundo
tenham santa paciência
vale mais a vida do que a existência.

Almada Negreiros

José Sobral de Almada Negreiros, artista plástico, dramaturgo, ensaísta, romancista e poeta. (à direita "auto-retrato" de Almada Negreiros e em baixo à esquerda, retrato de Fernando Pessoa)
Nasceu em S. Tomé em 1893 tendo falecido em Lisboa em 1970.
Será sempre um dos nomes maiores da nossa cultura, por ser um artista multifacetado mas sobretudo pela genialidade imposta em todas as suas criações.

Fez parte da revista Orpheu, tornando-se juntamente com Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro entre outros um dos nomes essenciais do modernismo.

Almada Negreiros mostrou estar sempre à frente do seu tempo, sem papas na língua não hesitou em ser polémico e caustico na crítica sempre com a arte como arma de arremesso. Disto é o Manifesto anti-Dantas talvez o mais conhecido exemplo.
Aqui numa interpreação fantástica pela voz de outro grande nome, Mário Viegas, um dos melhores actores e encenadores portugueses de sempre, declamava a poesia como poucos:


segunda-feira, junho 25, 2007

Preto no branco

Já neste blog fiz referência a Antóneo Gedeão, mas é um terrivelmente injusto reduzir a sua obra à "Pedra Filosofal".
A obra de Gedeão não se resume ao poema “Pedra Filosofal”, nem à “calçada de Carriche” nem tão pouco se reduz à poesia.

António Gedeão , é mais que um poeta, é um homem da ciência, provido de uma sensibilidade e um humanismo por vezes comovente.

Pseudónimo de Rómulo de Carvalho, António Gedeão "licenciou-se em Ciências Físico-Químicas pela Universidade do Porto em 1931, traduziu como ninguém, a ciência para os leigos, desvendando segredos científicos com a mesma simplicidade com que os exemplificava.

Afirmando-se como um dos mais brilhantes e talentosos criadores lusófonos do século XX, professor, pedagogo e historiador da ciência , demonstro um espírito extremamente marcado pelo cepticismo e pela ironia, sempre presentes nos seus poemas."
Há poucos dias um amigo de comprovado bom gosto mostrou-me um video que é um autêntico tesouro de um poema de A. Gedeão cantado por Manuel freire.
Lágrima de Preta é um poema comovente na sua simplicidade, é um hino à luta anti-racista que Gedeão publicou num tempo em a guerra colonial e o regime abafavam o evoluir dos ideais de tolerância e de irmandade entre os povos.
Neste poema Gedeão usa a poesia para explicar cientificamente que afinal a lágrima de um preta é tão cristalina como outra qualquer.

Será este poema parte obrigatório no programa de ensino da nossa língua nas escolas? Se não é, devia ser. Pois a formação moral deve ser a base de todo o conhecimento.
Aqui interpretado por Manuel Freire:




Encontrei uma preta
que estava a chorar
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.


Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.


Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.


Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.


Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:


nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.


Lágrima de preta
(António Gedeão)
Ps: Uma palavra de agradecimento à 100 SENTIDOS por ter votado neste blog para as 7 marvilhas da blogosfera... não posso deixar de o considerar um exagero pois limito-me a publicar obra feita por quem realmente merece admiração.

terça-feira, junho 19, 2007

Julio Pereira

O novo disco foi baptizado de "GEOGRAFIAS" , e está disponível para todos o decobrirmos. Por isso é uma pequena viagem no tempo que sugiro.

As notícias recentes do regresso aos albums de Julio Pereira enquanto autor e interprete fizeram-me reavivar algumas memórias de infância.
Memórias das noites junto à lareira a ver tv em que o meu avô me ensinava que o figura singular de cabelo comprido e “barbicha” a que eu chamava o homem do cavaquinho era Julio Pereira. O “o homem dos 7 instrumentos” como o meu gostava de lhe chamar.


Das guitarras, à viola braguesa, passando pelo célebre cavaquino e pelo badolin muitos são os intrumentos que se fazem arte nas mãos de Julio Pereira.
Ao longo de mais de 30 anos de carreira este notável instrumentista lançou 15 discos, produziu 30, e com instrumentista participou em mais de 50!


Dos inumeros artistas com os quais colaborou podemos destacar: Fausto, Adriano Correia de Oliveira, Zeca Afonso, Paulo de Carvalho, Carlos do Carmo, J. Barata Moura, Jorge Palma, José Mário Branco, Janita Salomé, Pete Seeger, João Afonso,Eugénia Melo e Castro, Sara Tavares…. Etc.
Muitas vezes não o saber, algumas das melodies intrumentais que sabemos trautear de trás pra frente são da autoria de Julio Pereira.

Um exemplo disso é esta musica, oiçam pelo menos até meio e diagam lá se conheçem ou não!


terça-feira, junho 12, 2007

Linda Martini

Simplesmente porque é uma banda portuguesa, que canta em português as letras de canções rock.
Rock verdadeiro...sem pop, sem pretenção comercial na maneira de compor e tocar.
Os Linda Martini, são uma lufada de ar fresco na musica nacional.
Têm uma qualidade intrumental invejável, da qual vive principalmente algumas das suas músicas.

Simplesmente porque muita gente começa a gostar, e eu não sou excepção, aqui está o principal êxito da banda até à data. Amor combate é uma uma musica de letra bem conseguida ainda que simples e capaz de provocar grandes descargas de energia de quem gosta do rock num estilo mais "old school"

Mas não se deixem enganar, há mais, em registos mais ou menos calmos, canções como: "dá-me a tua melhor faca", "Lição de voo nº 1", "cronógrafo" " a severa" ou "estuque" são, entre outras, motivo suficiente para parr uns minutos a ouvir umas guitarradas bem esgalhadas.





Linda Martini - Amor Combate

Eu quero estar lá
Quando tu tiveres de olhar para trás.
Sempre quero ouvir
Aquilo que guardaste para dizer no fim.
Eu não te posso dar
Aquilo que nunca tive de ti,
Mas não te vou negar a visita às ruínas que deixaste em mim.
Se o nosso amor é um combate
Então que ganhe a melhor parte.
O chão que pisas sou eu.
O nosso amor morreu quem o matou fui eu.

segunda-feira, maio 28, 2007

Diferença

Por vezes a expressão faz-se de cultos muito particulares a determinado artista, banda, obra etc

E os cultos nascem da diferença, da coragem para remar contra a maré, de um pouco de loucura e da coragem em continuar mesmo sobre a sensura dos dedos ignorantes apontados, como os dedos que há muitos anos atrás apontavam para os leprosos como monstros.

Que vive no lado mais negro da realidade, quem dele faz arte e nele se mantém, é tido por muitos como seguidor do demónio, demente... ou depedente...

Fundados em 1984 os MÃO MORTA deram o seu concerto de estreia em janeiro de 1985.

As performances e o carisma de Adolfo Luxúria Canibal fizeram nascer, desde os primeiros momentos, um culto muito especial à volta da banda: «Uma garganta funda que liberta bílis às golfadas, que espanca os espectadores com as palavras, que os excita e irrita, que conta histórias de sexo, de crime e de repressão» (Blitz 110, 09/12/86, António Pires acerca de Adolfo Luxúria Canibal no RRV). E o culto foi crescendo. Em 1986 ganharam o Prémio de Originalidade do III Concurso de Música Moderna do extinto Rock Rendez-Vouz.

Desde 1984 até hoje os Mão Morta têm levado a poesia à musica de uma forma nunca antes vista.
Com Poemas embalados por musicas desde as mais melancólicas até ao rock puro e duro tanto em albuns de originais, versões de musicas de outras bandas ("mãe" dos xutos&pontapés é um dos exemplos mais conhecidos) poemas de autoria própria e de outros. Tudo isto tem enriquecido a obra de uma banda que nunca deixou de agitar as mentes mais inquietas de quem, em Portugal não se satisfaz com o "normal".



Floresta em sonho
Mão Morta

Esta noite atravessava uma floresta a sonhar
Ela estava cheia de horror. Seguindo a cartilha
Os olhos vazios, que nenhum olhar compreende
Os bichos erguiam-se entre árvore e árvore
Esculpidos em pedra pelo gelo. Da linha
De abetos, ao meu encontro, através da neve
Vinha estalando, é isto um sonho ou são os meus olhos que avêem,
Uma criança de armadura, coiraça e viseira
A lança no braço. Cuja ponta faísca
No negro dos abetos, que bebe o sol
O último vestígio do dia uma seta de ouro
Atrás da floresta do sonho, que me faz sinal de morrer
E num piscar de olho, entre choque e dor,
O meu rosto olhou-me: a criança era eu.

sexta-feira, maio 11, 2007

Vozes...apenas

Estou de regresso às lides neste blog para falar de um quinteto que já há algum tempo tinha lugar reservado neste espaço.


Os VOZES DA RÁDIO são um quinteto vocal formado em 1991 na cidade doPorto.

A primeira musica que ouvi vinda destas cinco magníficas vozes foi “os índios da meia-praia” de Zeca Afonso, resultante da participação no projecto de homenagem ao mesmo intitulado “filhos da madrugada”.

No seu ínicio o grupo portuense valia-se única e exclusivamente da voz para construir toda a melodia das canções, fazendo das vozes mais do que um meio para transmitir as palavras, verdadeiros instrumentos musicais. Tal facto pode ser verificado NESTA versão do original dos GNR “Dunas” .
Mais tarde introduziram algum instrumental nos seus trabalhos não deixando jamais que se descaracterize a essência dos Vozes da Rádio, o canto a cappella.
Mais do que cantores são verdadeiros músicos, tanto na intrepertação de originais como no arranjo de velhos êxitos da nossa musica.

O encanto do grupo não se acaba nas musicas que canta, passa também pelo sentido de humor apurado tanto em palco como fora dele que pode ser verificado por todos neste blog: http://vozesdaradio.blogspot.com/
Belas palavras e excelentes vozes, em melodias que nos embalam com uma suavidade dificilmente igualável.

É dificil imaginar a quantidade de horas de ensaios necessárias para atingir tamanha sincronização e afinação, mas quando o resultado é aquele que se vê...

E que tal este exemplo para atestar o que acabo de dizer? Verão que vale a pena!






Tu lês em mim
Como num Livro Aberto
Descobres Sempre
Quem é o Bandidooo

Se há um Mistério
Tu Andas por Perto
Com essa Coisa do Sexto Sentido

Naqueles Dias
Que Eu Estou de Apetites
Encontro Eco
No teu Galanteio

Trocamos TUDO
Até ficarmos Quites
Marcamos X's
Na Coluna do Meio

Se às vezes fico macambúzio
Com a Expressão de Peixinho Amarelo
Levas-me ao Mar
Que tensDentro de um Búzio
E eu Brinco
Nas Ondas do teu Cabelo

Tu Lês em Mim
Como num Livro Aberto
Tens a Mania de me Pressentir

Eu tenho o Saldo
Sempre a Descoberto
Até Pareço
Que Falo a Dormir

Quem dera um Dia
Ter uma Fezada
Ganhar um pouco
Desse Teu Condão

E pela Noite
Sem Tu dares por Nada
Pôr o teu Sonho
Na Palma da Mão

Se às vezes fico Macambúzio
Com a Expressão de Peixinho Amarelo
Levas-me ao MarQue tens
Dentro de um Búzio
E eu Brinco
Nas Ondas do teu Cabelo


Ps: ...no dia de te dar "aquele beijo especial" esta prenda é para ti "menina aluada", que me ensinaste a gostar mais e melhor destes 5 senhores e da sua música. Obrigado

domingo, abril 22, 2007

Despedida

As universidades são, ou pelo menos deveriam ser, fonte de cultura.

Uma das vertentes artísticas da cultura académica são as tunas.

As tunas são dos movimentos musicais mais ricos, em qualidade e em diversidade que temos em Portugal. Sendo também uma bandeira do país nos muitos festivais internacionais de tunas. As tunas cantam e tocam o fado de Coimbra, serenatas, baladas, versões de musicas já existentes, originais, musica alegre, musica humorística, entre outros estilos que se vão adaptando ao toque dos estudantes.

Hoje, à entrada da minha última Semana Académica enquanto estudante, coloco ao dispor de quem queira ouvir uma música que emociona qualquer um que como eu vê próxima a despedida, com a saudade já a espreita nas recordações que ficaram para trás nos últimos 4 anos.





Adeus minha universidade

Chegou a hora da partida

Eu já sinto a triste saudade

Quando envergo capa e batina

Choro sobre esta minha capa

Negra a noite e o sentimento

Quando trino minha guitarra

E canto este meu lamento

E minhas fitas voam ao vento

Levam as minhas recordações

E são as negras capas na rua

Com serenatas comovem a lua

Choras a minha despedida

Perdem-se lágrimas de dor

Perdem-se gotas de vida

E minhas fitas voam ao vento

Levam as minhas recordações

E são as negras capas na rua

Com serenatas comovem a lua

E assim me dispeço até daqui a uma semana, pois não terei possibilidade de publicar nada nos próximos dias!

terça-feira, abril 17, 2007

Será apenas treta?


O país não tem sabido agradecer aos que o fazem rir. Fazer rir representando um papel é, segundo os entendidos, mais difícil que fazer chorar.


Dos actores portugueses, aquele que mais admiro, e que melhores momentos me tem proporcionado é o actor e encenador José Pedro Gomes.


Na sua ligação ao trabalho de Herman José, desde os tempos do “caxuxo” do Casino Royal, até à Herman Enciclopédia ( que foi para mim o melhor programa de humor da TV portuguesa), entre outros, José Pedro Gomes tem feito rir muita gente com a sua genialidade.

No teatro, fez parceria com António Feio naquela que foi a mais brilhante interpretação que me recordo ter visto. Aconteceu em “O que diz Molero” em que durante 3 horas de diálogo e longos monólogos também, com uma expressão física que só por si enche o palco somos levados a viajar pelo riso, pela aventura, pelo amor, pela emoção, pelo medo….pelo mundo afinal! Como se estivéssemos a ler uma banda desenhada fantástica.
É com António Feio, também ele alvo de grande admiração da minha parte que tem partilhado muitos sucessos no teatro e na TV.

O merecido êxito mediático surgiu a galope nas palavras de uma conversa da treta.
Sem cenário, sem adereços, apenas com conversa simples de humor inteligente, embora muitas vezes camuflado pelos traços pouco intelectuais dos personagens.
Quer se queira quer não, é um feito tremendo e ao alcance apenas dos grandes artistas pôr uns país a rir de norte a sul com recorrendo a tão escassos trunfos.

A cultura não está apenas nos “livros”. A palavra cultura define as “características de um povo”, e cada um de nós reconhece um pouco do Toni e do ZéZé. São duas caricaturas brilhantes, e hilariantes de um Portugal que não é cinzento ao contrário do que muitos dizem. É repleto de matéria prima para que o humor seja uma arte por mais simples e popular que seja a forma como é apresentado.





Ps: Vejam o "Filme da treta"....os extras do DVD também! E lavem a alma com um sorRISO.

quarta-feira, abril 11, 2007

Homenagem ao trovador

Adriano Maria Correia Gomes de Oliveira nasceu em Avintes, em 9 de Abril de 1942 e faleceu ainda jovem aos 40 anos.
Cantor e compositor de grande qualidade, ninguém diria ao contemplar a extensão da obra que deixou que teve tão escassos anos de vida.. Adriano Correia de Oliveira estudou direito em Coimbra, e foi lá que se começou a notabilizar como um dos grandes intérprete do fado de Coimbra. Em 1963 saiu o primeiro disco "Fados de Coimbra" que continha Trova do vento que passa, essa balada fundamental da sua carreira, com poema de Manuel Alegre, em consequência da sua resistência ao regime salazarista, e que as suas movimentações levaram a gravar, foi o hino do movimento estudantil. Em 1975 lançou "Que Nunca Mais", com direcção musical de Fausto e textos de Manuel da Fonseca Este discolevou a revista inglesa Music Week a elegê-lo como "Artista do Ano". A sua filha Isabel Oliveira, recebeu em nome do pai das mãos de Mário Soares a Ordem da Liberdade.

Na Marinha Grande, no museu do vidro, na passada 2ª feira, (data do 65º aniversário do nascimento de Adriano) foi feita uma homenagem a Adriano Correia de Oliveira, com a presença de várias personalidades, amigos do cantor, e familiares.
Foi feita nessa sessão solene, para além da inauguração de uma exposição sobre a vida e obra de Adriano, a apresentação do CD “Adriano Sempre…” composto por versões livres dos temas mais conhecidos do cantor interpretados por músicos marinhenses e nacionais. No dia 21 de Abril, no parque municipal de exposições da Marinha Grande esse CD dará o mote a um grande concerto, inserido nas comemorações do 25 Abril, em que vários artistas envolvidos na gravação do CD vão interpretá-lo em palco.

este é link para saber mais sobre a iniciativa de que falei e sobre a vida e obra de Adriano Correia de Oliveira.


O convite está feito. Aparece …e traz outro amigo também!

Trova do vento que passa



Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diza
o trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de sevidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre

terça-feira, abril 03, 2007

Peter's, a música e não só.

Os Trovante começaram em 1976, em Sagres, quando um grupo de amigos se juntou para fazer música. A sua formação original era constituída por João Nuno Represas, Luís Represas, Manuel Faria, João Gil e Artur Costa.
Em 1990 o grupo edita o seu último disco de estúdio "Um Destes Dias" que terá em "Timor"o seu maior êxito.
Entre 76 e 90, os Trovante deixaram uma forte marca na música portuguesa, com algumas canções que se mantêm firmes entre as mais ouvidas da nossa música.

Falo agora de um local Mítico na Ilha do Faial.
«Se velejares até à Horta e não visitares o “Peter”, não viste a horta na realidade». Esta é, sobretudo entre os yatchmen (velejadores), uma expressão comum que expressa uma realidade que se foi constituindo em torno de um café-bar que ganhou uma projecção mundial notável primeiro entre o “iatismo” internacional que lá encontra acolhimento, apoio, e ambiente para aceso e franco convívio, depois entre o comum turista que lá busca a mística e a fama de um ambiente especial e de um gin único.
A meio caminho entre a Europa e a América, os Açores são geograficamente um ponto estratégico de paragem obrigatória nas navegações atlânticas.
Desde o principio do séc. xx que o “Peter” café Sport tem passado de pai para filho na família Azevedo, mantendo firme a herança da tradição pela qual este local mítico ganhou a sua dimensão mundial.
A mística do “Peter” está bem retratada na canção que lhe foi dedicada pelos trovante. Para mim uma das melhores da banda, e qe tem uma mensagem espectacular na sua letra.
Mais do que um café o “Peters” é um cartão de visita de Portugal no mundo. Um ícone da nossa cultura na arte de bem receber, de ajudar que vem solitário em viajem, de esperar com os braços abertos, e um acenar de amizade na partida que leva na saudade de um copo de gin a vontade de voltar.
Vale a pena ler a AQUI a historia do “peter”.

PETER´S - TROVANTE



Encontro uma ilha
Será maravilha ou tem
O que ninguém deu
Durante a viagem
P´ro outro lado

É mais outra ilha
Será que é mais outro porto
Em que se bebeuE se esqueceu
Um outro fado

[refrão]

Há quem espere por nós assim
Mesmo ao meio da rota do fim
Há quem tenha os braços abertos
Para nos aquecer
E acenar no fim

Há quem tema por nós assim
Quando os barcos partem por fim
Há quem tenha os braços fechados
Com beijo jurado
Eu voltarei pra ti


Nunca é miragem
Sabemos que o cais é certo
É a estrela polar
Em sol aberto
A castigar

Ficamos mais perto
Sentimos mais dentro a força
Do que nós somos
E do que queremos
Reconquistar

[refrão]

Dança de nuvens
O vento é meu companheiro
P´ra me embalar
No meu repouso
De aventureiro

[refrão]

quarta-feira, março 21, 2007

Dia Mundial da Poesia

Hoje, dia Mundial da Poesia, vou partilhar aqui um dos poemas que mais gosto...é um bocadinho grande mas creio valer bem alguns minutos do nosso tempo. Aproveito também para falar de um dos grandes poetas Portugueses do séc. XX.

Ruy Belo , natural de Rio Maior, nascido em1933, deixounos em 1978.

Apesar do curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se um dos maiores poetas portugueses da segunda metade deste século, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes. Destacou-se ainda pela tradução de autores como Antoine de Saint-Exupéry, Montesquieu, Jorge Luís Borges e Federico García Lorca. Em 2001, publica-se "Todos os Poemas".




Muriel



Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é com certo espanto que no espelho da manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto poder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas e do pão e dos jornais
este sol de Janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver a minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
E penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontros
em que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
Decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
Ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos
junto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
Terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão de escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido

terça-feira, março 20, 2007

Biografia do amor

Voltando à música, sei que há muita gente que não vai partilhar da minha opinião , que pura e simplesmente não gosta do Sérgio Godinho.
Mas o que é certo e que ele faz parte da história da música portuguesa de forma marcante. Tanto pela extensão da carreira e numero de discos vendidos, bem como pela qualidade poética e musical.
Vamos então fazer um pequeno exercício, vos que não apreciam vão esquecer o timbre da voz de Sério Godinho e a sua dicção tão característica. Para os que não partilham da ideologia de esquerda do cantor e de muitas das suas letras umas mais politizadas do que outras, vamos também por momentos pôr de lado essa faceta da sua obra.

Embora não tenha qualquer problema em dizer que admiro Sérgio Godinho um pouco por toda a sua obra creio que para comprovar o porquê do lugar deste senhor entre os nossos “maiores” podemos dar-nos ao luxo de olhar apenas um exemplo mais consensual.
Vamos concentrar-nos numa colectânea chamada “Biografias do Amor”.
São 20 canções que cantam um amor sem esquerda nem direita através de belos poemas acompanhados de boas músicas.

Podia ser outra qualquer…escolhi esta:
A NOITE PASSADA

A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia
"ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste
A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águase então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos
A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá",
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"

terça-feira, março 13, 2007

Também é arte!

Das artes plásticas, a caricatura é considerada talvez uma das suas expressões menos “nobres”, mas é indesmentívelmente de todas as artes plásticas a que mais capacidade de intervenção no âmbito da crítica social e política.

É a capacidade de associar o humor ao talento artístico de desenhar que faz com que as caricaturas e os “cartoons” façam chegar facilmente ao público a sua mensagem.




O primeiro grande nome a ficar eternizado na nossa cultura é talvez o de Raphael Bordalo Pinheiro.
Para sempre ligado à personagem por ele criada “Zé Povinho”, foi desenhador humorístico, ceramista e decorador.

O famoso manguito desbravou caminho a um novo tipo de humor artístico em Portugal.

Muitos caricaturistas e cartoonistas desde Bordalo Pinheiro até hoje têm retratado os episódeos da nossa história fazendo da sátira um prazer para alguns e um incómodo para outros.

De todos eles vou referir um, não porque seja melhor ou pior que qualquer outro mas sim, pela irreverência e pela coragem de pôr o dedo na ferida.


A capacidade de saber usar o palavrão, e o humor “ordinário” é uma arte difícil de gerir…
José Vilhena é um mestre nesse particular. Nasceu a 7 de Julho de 1927 e durante o regime salazarista, publicou mais de 70 livros, praticamente todos apreendidos pela censura. Os seus "excessos" levaram-no à prisão por três vezes.
Frequentemente Vilhena foi acusado de ser um pornógrafo, nomeadamente pela PIDE que se servia desse pretexto para lhe apreender os livros.












"De todos os caricaturistas e humoristas nacionais que por cá trabalham no riso, José Vilhena é sem dúvida o mais português de todos, porque não procura um novo género de humor, antes dá generosamente aquele que já existe no espírito pronto a servir" - Osvaldo de Sousa.


NESTE LINK está grande parte da informação que recolhi para este post. Visitem o pequeno texto que está na página ondem têm à dsposição vários links bastante uteis e interessantes.

domingo, março 04, 2007

Será preciso cantar?

Uma das figuras incontornáveis do panorama musical português da última década é Pedro Abrunhosa.
Está longe de ser um artista consensual, mas também nunca fez por isso. Abrunhosa nunca se assumiu como um cantor, mas apenas como intérprete dos poemas que escreve.

Pedro Abrunhosa apareceu vestido com a rebeldia e excentricidade de quem teve a coragem de ser diferente e de chocar a opinião pública tanto visual como verbal e ideologicamente.
Como figura pública assumiu simultaneamente com a carreira a luta pelos seus ideais políticos e sociais.
Acorrentou-se à porta do coliseu do porto sendo um dos rostos do protesto contra a venda dessa sala de espectáculos à IURD e foi rosto de muitas outras causas.

Com formação superior na área musical, Abrunhosa é um instrumentista e compositor notável, escreveu para vários cantores e com decorrer do tempo foi coleccionando algumas das mais belas baladas da nossa música.




Onde estiveres, eu estou
Onde tu fores, eu vou
Se tu quiseres assim
Meu corpo é o teu mundo
E um beijo um segundo
És parte de mim
Para onde olhares, eu corro
Se me faltares, eu morro
Quando vieres, distante
Soltam-se amarras
E tocam guitarras
Por ti, como dantes
Agarra-me esta noite
Sente o tempo que eu perdi
Agarra-me esta noite
Que amanhã não estou aqui

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Calçada de fados

Dois dos traços únicos que apenas se vêm no rosto de Portugal e de mais nenhum outro país são o fado e a calçada à Portuguesa.
A arte da calçada é secular e requer uma perícia assinalável. Conseguem imaginar quanto diferente seria a paisagem das nossas cidades se fossem todo da mesma cor o chão onde caminhamos?

Quanto ao fado, muitos querem continuar a dizer que é triste, chato, que são apenas mágoas cantadas em tom de pranto por alguém vestido de preto. Que Tem de ser ouvido em silêncio e que aplausos só no fim!

O fado na verdade não tem um só rosto! É verdade que tem uma face que vive no abrigo mais sombrio e entristecido da saudade e da nostalgia. É verdade também que tem uma face mais cerimoniosa no cumprir da tradição coimbrã nas suas baladas e serenatas!
Mas não é menos verdade que existe a face boémia do fado vadio…do fado castiço, das desgarradas de improviso. Existe também algo de brejeiro e por vezes quase vernáculo nas suas formas mais populares, existe a cor das festas populares, existe a cantiga do bandido, existem amores e traições e critica social e política.
Existe por sinal o retrato de Portugal e do se povo, em toda a sua história repleta de alegrias e tristezas, de tragédias e de glórias.

A prova o que escrevo passa em parte por Mariza.
No seu fado “recusa” Mariza canta os seguintes versos:
“Se por mágoa o fado existe,
Então, eu não sou fadista”

Mariza é uma das mais globalizadas artistas nacionais e uma das maiores bandeiras da cultura portuguesa pelo mundo fora, tendo sido já múltiplas vezes premiada em vários países.

A fadista junta numa mistura explosiva, a irreverência na imagem e na atitude com o honrar da tradição .

Mariza é a prova do que pode ser o fado, alegre e porque não até dançável. Para o demonstrar aqui fica “Maria Lisboa” e digam lá se não apetece bater palmas a compasso e dar um pé de dança???




É varina, usa chinela,
Tem movimentos de gata
Na canastra, a caravela,
No coração, a fragata
Na canastra, a caravela,
No coração, a fragata
Em vez de corvos no xaile
Gaivotas vêm pousar
Quando o vento a leva ao baile,
Baila no baile com o mar
Quando o vento a leva ao baile
Baila no baile como mar

É de conchas o vestido
Tem algas na cabeleira
E nas veias o latido
Do motor duma traineira
E nas veias o latido
Do motor duma traineira

Vende sonho e maresia,
Tempestades apregoa,
Seu nome próprio - maria,
Seu apelido -lisboa
Seu nome próprio - maria
Seu apelido -lisboa

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

O doutor que escolheu ser músico

Carlos Paião, nasceu em 1957 e faleceu tragicamente em 1988 num acidente de viação.
Morreu jovem e com muito para dar à música portuguesa, sendo verdade que aquilo que deu é muito…e bom!
Licenciou-se em medicina em 1983, tendo ainda assim dedicado a sua vida exclusivamente á musica. Em 1978 tinha já escrito, segundo algumas fontes, mais de 200 canções.
Carlos Paião foi um músico multifacetado, compôs para ele e para os outros, interpretou belas baladas, fez musica popular alegre e “dançável” …fez inclusivamente comédia (quem não se lembra da canção do beijinho cantada em dueto com Herman José ou o mesmo Herman na pele de “José Esteves” a cantar: “…vamos lá cambada, todos à molhada…”?)

Carlos Paião é a prova de que para se escrever coisas bonitas não é preciso vocabulário erudito, nem ter mensagens subliminares nas entrelinhas de um poema. Paião mostrou que para cantar o amor basta apenas falar em coisas tão simples como duas crianças que “dividem a merenda tal e qual uma prenda que se dá nos anos”. Apenas a inocência de duas crianças que gostam ingenuamente uma da outra serviu a Carlos Paião para nos dizer que o amor é simples. É um olhar, um beijo, uma palavra, uma partilha….uma simples brincadeira!



CINDERELA

Eles são duas criancas a viver esperanças, a saber sorrir.
Ela tem cabelos louros, ele tem tesouros para repartir.
Numa ou outra brincadeira passam mesmo à beira sempre sem falar.
Uns olhares envergonhados e são namorados sem ninguém pensar.

Foram juntos outro dia, como por magia, no autocarro, em pé.
Ele la lhe disse, a medo: "O meu nome é Pedro e o teu qual é?"
Ela corou um pouquinho e respondeu baixinho: "Sou a Cinderela".
Quando a noite o envolveu ele adormeceu e sonhou com ela...

(Refrão)
Então, Bate, bate coração
Louco, louco de ilusão
A idade assim não tem valor.
Crescer,
vai dar tempo p'ra aprender, Vai dar jeito p'ra viver
O teu primeiro amor.

Cinderela das histórias a avivar memórias, a deixar mistério
Ja o fez andar na lua, no meio da rua e a chover a sério.
Ela, quando lá o viu, encharcado e frio, quase o abraçou.
Com a cara assim molhada ninguém deu por nada, ele até chorou...

Refrão

E agora, nos recreios, dão os seus passeios, fazem muitos planos.
E dividem a merenda, tal como uma prenda que se dá nos anos.
E, num desses momentos, houve sentimentos a falar por si.
Ele pegou na mão dela: "Sabes Cinderela, eu gosto de ti..."

Refrão

domingo, fevereiro 11, 2007

A vitalidade de uma grande Senhora

Corria o ano de 1991, e uma família levou um petiz, na altura sem ter completado ainda 10 anos de idade a ver “uma revista à portuguesa” no Teatro Nacional Dª Maria II.
Das poucas recordações que sobrevivem dessa noite mágica na minha memória, há uma que não se apaga com o tempo.
É a memória de uma voz a solo no centro do palco, uma voz forte, mas que não era de homem. Uma voz que arrepiava, mas não metia medo…uma voz que mais tarde vim a saber pertencer a Simone de Oliveira.

Simone é das personalidades portuguesas que vejo representar cantar, e simplesmente falar, cuja presença mete respeito e ao mesmo tempo inspira aqueles que ainda sendo jovens parecem ter receio de se impor a sua presença no mundo.

Simone mais do que um talento imenso, sobressai pela personalidade.
Sobressai pela emoção com que canta puxando as notas mais improváveis através da sua voz inconfundível…e cerrando o punho as atira à nossa com o mesmo descaramento e convicção com que cantou a “Desfolhada” no festival da canção de cabeça erguida e nariz empinado, desafiando a censura do estado novo.

Quando, entre 1969 e 1972, um problema nas cordas vocais a impediu de cantar, Simone para sobreviver lançou mãos à escrita em Jornais e Revistas, e à Locução na Rádio e na Televisão.
Uma mulher de armas, com vontades férreas e uma elegância desconcertante! Alguém cujo rosto tão depressa é austero revelando um personalidade firme como depressa se emociona com a palavra mais doce, ou se desfaz na mais sonora gargalhada.

Simone provou-nos a todos que a beleza de uma mulher não se perde com a idade, apenas se transforma.

Vou deixar-vos com a voz de Simone, a interpretar com uma intensidade única uma das mais belas letras jamais feitas para uma canção!

O poema é de José Luís Tinoco, e foi originalmente escrito para a voz de Carlos do Carmo




No teu poema
existe um verso em branco e sem medida,
um corpo que respira, um céu aberto,
janela debruçada para a vida.

No teu poema existe a dor calada lá no fundo,
o passo da coragem em casa escura
e, aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite,
o riso e a voz refeita à luz do dia,
a festa da Senhora da Agonia
e o cansaço
do corpo que adormece em cama fria.
Existe um rio,
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.

No teu poema
existe o grito e o eco da metralha,
a dor que sei de cor mas não recito
e os sonhos inquietos de quem falha.

No teu poema
existe um cantochão alentejano,
a rua e o pregão de uma varina
e um barco assoprado a todo o pano.
Existe um rio
O canto em vozes juntas, em vozes certas
Canção de uma só letra e um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas
Existe um rio
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.

No teu poema
existe a esperança acesa atrás do muro,
existe tudo o mais que ainda me escapa
e um verso em branco à espera de futuro.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

O popular e o vanguardismo

Porque não só de cantigas é feita a nossa cultura, faço acompanhar a musica pela pintura neste regresso da musica popular portuguesa.

A música de Fausto, uma das pessoas que mais contribuiu e continua a contribuir para que esta não seja apenas uma lembrança do que antes se fazia ,mas sim uma herança actual e continua, é acompanhada pela mestria de um dos homens que mais inovou nas artes plásticas em Portugal!...Amadeo de Souza-Cardoso.

Com 12 discos gravados desde 1970 (dez de originais, uma colectânea regravada e um disco ao vivo), Fausto é presentemente um dos mais importantes nomes da música em geral e da música popular portuguesa em particular. E é, sobretudo, um inquestionável grande poeta da música.



O barco vai de saída
Adeus ao cais de Alfama
Se agora ou de partida
Levo-te comigo ó cana verde
Lembra-te de mim ó meu amor
Lembra-te de mim nesta aventura
P'ra lá da loucura
P'ra lá do Equador

Ah mas que ingrata ventura
Bem me posso queixar
da Pátria a pouca fartura
Cheia de mágoas ai quebra-mar
Com tantos perigos ai minha vida
Com tantos medos e sobressaltos
Que eu já vou aos saltos
Que eu vou de fugida

Sem contar essa história escondida
Por servir de criado essa senhora
Serviu-se ela também tão sedutora
Foi pecado Foi pecado E foi pecado sim senhor
Que vida boa era a de Lisboa

Gingão de roda batida
corsário sem cruzadoa
o som do baile mandado
em terra de pimenta e maravilha
com sonhos de prata e fantasia
com sonhos da cor do arco-íris
desvaira se os vires
desvairas magias

Já tenho a vela enfunada
marrano sem vergonha
judeu sem coisa nem fronha
vou de viagem ai que largada
só vejo cores ai que alegria
só vejo piratas e tesouros
são pratas, são ouros, são noites, são dias

Vou no espantoso trono das águas
vou no tremendo assopro dos ventos
vou por cima dos meus pensamentos
arrepia arrepia e arrepia sim senhor
que vida boa era a de Lisboa

O mar das águas ardendo
o delírio do céu
a fúria do barlavento
arreia a vela e vai marujo ao leme
vira o barco e cai marujo ao mar
vira o barco na curva da morte
e olha a minha sorte
e olha o meu azar

e depois do barco virado
grandes urros e gritos
na salvação dos aflitos
estala, mata, agarra, ai quem me ajuda
reza, implora, escapa, ai que pagode
rezam tremem heróis e eunucos
são mouros são turcos
são mouros acode!

Aquilo é uma tempestade medonha
aquilo vai p'ra lá do que é eterno
aquilo era o retrato do inferno
vai ao fundo vai ao fundo e vai ao fundo sim senhor
que vida boa era a de Lisboa



Precursor da arte moderna, tendo falecido prematuramente aos 31 anos de idade vítima de pneumonia, Amadeo de Souza-Cardoso não teve oportunidade de ver o seu trabalho reconhecido: seguiu o mesmo trilho dos vanguardistas de todos os tempos e de todas as actividades, administrando a incompreensão alheia. À humanidade custa a aceitar novos processos ou ideias e, por conseguinte, para os precursores, a apreciação objectiva e o coroamento dos seus esforços dá-se, ou no final da vida, ou somente após sua morte.

Aproximou-se primeiro ao Impressionismo e depois ao Expressionismo e ao Cubismo.


Lentamente, à medida em que os preconceitos em relação ao modernismo foram sendo afastados, o nome de Souza-Cardoso ganhou a devida importância em Portugal. Ninguém é culpado. Ele era um visionário, vivia fora do seu tempo, tal como outros tantos, pagou um alto preço por isso.