quarta-feira, março 21, 2007

Dia Mundial da Poesia

Hoje, dia Mundial da Poesia, vou partilhar aqui um dos poemas que mais gosto...é um bocadinho grande mas creio valer bem alguns minutos do nosso tempo. Aproveito também para falar de um dos grandes poetas Portugueses do séc. XX.

Ruy Belo , natural de Rio Maior, nascido em1933, deixounos em 1978.

Apesar do curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se um dos maiores poetas portugueses da segunda metade deste século, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes. Destacou-se ainda pela tradução de autores como Antoine de Saint-Exupéry, Montesquieu, Jorge Luís Borges e Federico García Lorca. Em 2001, publica-se "Todos os Poemas".




Muriel



Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é com certo espanto que no espelho da manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto poder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas e do pão e dos jornais
este sol de Janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver a minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
E penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontros
em que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
Decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
Ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos
junto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
Terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão de escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido

terça-feira, março 20, 2007

Biografia do amor

Voltando à música, sei que há muita gente que não vai partilhar da minha opinião , que pura e simplesmente não gosta do Sérgio Godinho.
Mas o que é certo e que ele faz parte da história da música portuguesa de forma marcante. Tanto pela extensão da carreira e numero de discos vendidos, bem como pela qualidade poética e musical.
Vamos então fazer um pequeno exercício, vos que não apreciam vão esquecer o timbre da voz de Sério Godinho e a sua dicção tão característica. Para os que não partilham da ideologia de esquerda do cantor e de muitas das suas letras umas mais politizadas do que outras, vamos também por momentos pôr de lado essa faceta da sua obra.

Embora não tenha qualquer problema em dizer que admiro Sérgio Godinho um pouco por toda a sua obra creio que para comprovar o porquê do lugar deste senhor entre os nossos “maiores” podemos dar-nos ao luxo de olhar apenas um exemplo mais consensual.
Vamos concentrar-nos numa colectânea chamada “Biografias do Amor”.
São 20 canções que cantam um amor sem esquerda nem direita através de belos poemas acompanhados de boas músicas.

Podia ser outra qualquer…escolhi esta:
A NOITE PASSADA

A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia
"ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste
A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águase então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos
A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá",
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"

terça-feira, março 13, 2007

Também é arte!

Das artes plásticas, a caricatura é considerada talvez uma das suas expressões menos “nobres”, mas é indesmentívelmente de todas as artes plásticas a que mais capacidade de intervenção no âmbito da crítica social e política.

É a capacidade de associar o humor ao talento artístico de desenhar que faz com que as caricaturas e os “cartoons” façam chegar facilmente ao público a sua mensagem.




O primeiro grande nome a ficar eternizado na nossa cultura é talvez o de Raphael Bordalo Pinheiro.
Para sempre ligado à personagem por ele criada “Zé Povinho”, foi desenhador humorístico, ceramista e decorador.

O famoso manguito desbravou caminho a um novo tipo de humor artístico em Portugal.

Muitos caricaturistas e cartoonistas desde Bordalo Pinheiro até hoje têm retratado os episódeos da nossa história fazendo da sátira um prazer para alguns e um incómodo para outros.

De todos eles vou referir um, não porque seja melhor ou pior que qualquer outro mas sim, pela irreverência e pela coragem de pôr o dedo na ferida.


A capacidade de saber usar o palavrão, e o humor “ordinário” é uma arte difícil de gerir…
José Vilhena é um mestre nesse particular. Nasceu a 7 de Julho de 1927 e durante o regime salazarista, publicou mais de 70 livros, praticamente todos apreendidos pela censura. Os seus "excessos" levaram-no à prisão por três vezes.
Frequentemente Vilhena foi acusado de ser um pornógrafo, nomeadamente pela PIDE que se servia desse pretexto para lhe apreender os livros.












"De todos os caricaturistas e humoristas nacionais que por cá trabalham no riso, José Vilhena é sem dúvida o mais português de todos, porque não procura um novo género de humor, antes dá generosamente aquele que já existe no espírito pronto a servir" - Osvaldo de Sousa.


NESTE LINK está grande parte da informação que recolhi para este post. Visitem o pequeno texto que está na página ondem têm à dsposição vários links bastante uteis e interessantes.

domingo, março 04, 2007

Será preciso cantar?

Uma das figuras incontornáveis do panorama musical português da última década é Pedro Abrunhosa.
Está longe de ser um artista consensual, mas também nunca fez por isso. Abrunhosa nunca se assumiu como um cantor, mas apenas como intérprete dos poemas que escreve.

Pedro Abrunhosa apareceu vestido com a rebeldia e excentricidade de quem teve a coragem de ser diferente e de chocar a opinião pública tanto visual como verbal e ideologicamente.
Como figura pública assumiu simultaneamente com a carreira a luta pelos seus ideais políticos e sociais.
Acorrentou-se à porta do coliseu do porto sendo um dos rostos do protesto contra a venda dessa sala de espectáculos à IURD e foi rosto de muitas outras causas.

Com formação superior na área musical, Abrunhosa é um instrumentista e compositor notável, escreveu para vários cantores e com decorrer do tempo foi coleccionando algumas das mais belas baladas da nossa música.




Onde estiveres, eu estou
Onde tu fores, eu vou
Se tu quiseres assim
Meu corpo é o teu mundo
E um beijo um segundo
És parte de mim
Para onde olhares, eu corro
Se me faltares, eu morro
Quando vieres, distante
Soltam-se amarras
E tocam guitarras
Por ti, como dantes
Agarra-me esta noite
Sente o tempo que eu perdi
Agarra-me esta noite
Que amanhã não estou aqui