sexta-feira, agosto 31, 2007

Porto Cantado

Rui Veloso é sem margem para discussões um dos nomes maiores da música portuguesa, ao longo de décadas de carreira foi coleccionando um extenso rol de canções que reservaram o seu lugar na eternidade da história da nossa música.

Das canções mais populares que todos sabemos pelo menos trautear, passando por algumas das mais belas composições a que nenhum coração fica indiferente.
É justo, no entanto, dividir o mérito do seu sucesso com Carlos Tê, genial escritor de canções que mantém uma forte relação de cumplicidade com Rui Veloso.

Porto Sentido é para mim uma canção cuja proximidade da perfeição faz arrepiar a pele de quem, mesmo que por um só dia, contemplou ao vivo a cidade do Porto. Mais que uma canção, é o mais perfeito retrato cantado que podemos contemplar de tão belo lugar. Os sons e as palavras pintam na tela da paisagem Portuense o retrato perfeito da melancolia que mais parece inventada de uma cidade que respira o fulgor da vida na alegria da sua gente, na encantada sombra das suas ruas e no d’ouro que é o rio que no Porto cresce para o mar no auge da sua beleza.
Vale a pena atravessar a ponte, para no outro lado superar o choque do jeito fechado e sombrio e descobrir todo o brilho de uma cidade quem sabe receber que chega de novo, e que consegue roubar um pouco do coração de todos os que um dia se aventuraram a apaixonar-se por ela.


sábado, agosto 04, 2007

O tempero da cor

Se da cultura portuguesa se trata neste espaço, esquecemos por vezes em boa verdade que um país do tamanho de nosso é pequeno para sózinho ser dono de tanta riqueza. .
É pequeno o país porque o império português não se esgota nem acaba com a descolonização, nem tão pouco em livros poeirentos de História mais ou menos remota.
A nossa cultura, chega-nos ainda hoje com o cheiro doce de cacau brasileiro, ou com o calor de uma dança africana temperada com as melhores especiarias orientais.
Da voz dos nossos artistas chega tudo isto, numa mistura de sabores e odores, de danças e esperanças que nos lembram que sós não teríamos tudo o que temos nem seremos metade do que podemos ser.
No abraçar de cores distantes no espaço mas próximas no coração está a chave para mais momentos com este…



…nascido do poema de Alda Lara:

Mãe Negra

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendonas folhas do cajueiro
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?
Quem ouve agora as histórias que costumava contar?
Mãe-Negra não sabe nada
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo Mãe-Negra!
Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias que costumavas contar
Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada.
(Alda Lara, 1951)