sexta-feira, novembro 30, 2007

As vozes de "zeca" - 1

Falar da cultura musical Portuguesa do séc. xx obriga-nos a referir como um dos seus maiores marcos a obra de José Afonso.

Uma das coisas que mais me irrita é o fundamentalismo político de pessoas que, qual asno de palas nos olhos, se recusa a ver o óbvio. “Zeca” é muito mais que politica ou cantigas revolucionárias.

“Zeca” nunca deixou de assumir os ideais de esquerda, e o seu espírito revolucionário, infelizmente ser honesto e assumir de peito aberto a luta pelo que se acredita nem sempre compensa neste país. Mas a obra de José Afonso é poesia, é fado de Coimbra, são baladas, composições musicais belíssimas tanto ao nível do tradicionalismo musical português como na abertura de novas portas para a fuga ao marasmo criativo mostrando o caminho para uma vertente inovadora e futurista que muitas das suas obras representaram para a época.
Hoje, cada vez mais o pudor se desvanece e os “novos” artistas cantam “José Afonso”, dando uma nova dimensão à sua obra. O Grito de revolta foi dado pelos “Filhos da Madrugada”, depois já outros seguiram esse caminho. Cristina Branco foi a mais recente, gravando um disco em que interpreta temas de “José Afonso” com novos arranjos e sonoridades.
Ao logo de uma série de posts vou dar a conhecer, ou apenas relembrar alguns dos melhores exemplos da “renovada” obra de José Afonso, porque o que é bom jamais será passado, e nem tudo o que é velho é para guardar na arca das recordações.

Para começar Cristina branco interpretando “redondo vocábulo”, arrisco a dizer que Zeca ficaria orgulhoso ao ouvir esta versão irrepreensivelmente cantada por tão bela voz:





Era um redondo vocábulo

Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa

quinta-feira, novembro 15, 2007

Acordar Tarde

Um dos poetas portugueses contemporâneos de maior valor, deu-se pelo pseudónimo Al Berto. Nascido em 1948 deixou-nos em 1997. Foi a partir de 1971 que se dedicou exclusivamente á literatura tendo deixado uma obra de grande valor para a cultura e língua portuguesa.
AQUI é possível consultar parte da sua obra e a sua biografia.

Um dos mais belos poemas de Al Berto foi, em 2004, interpretado por Jorge palma e incluído no seu álbum “Norte”. Um dos melhores discos, na minha opinião da carreira de Jorge Palma de onde se pode destacar uma qualidade instrumental notável e onde sobressai entre outros a contribuição do contrabaixista português Carlos Bica, um dos músicos nacionais mais requisitados e conceituados no estrangeiro.
“Acordar Tarde” é o nome do poema que virou canção pelas mãos (e voz) de:
Piano e Voz - Jorge Palma
Contrabaixo - Carlos Bica
Clarinetes baixo e si bemol – Paulo Gaspar
Guitarra eléctrica – Marco Nunes
Baixo eléctrico – Miguel Barros
Bateria – André Hollanda
Secção de cordas dirigida por António Augusto Gaspar


A junção desta boa gente deu numa música que começa na melancolia, para explodir num poderoso instrumental e acabar de novo no lento embalo dos sentidos, num sussurrar dos últimos versos.

Este é o Vídeo que fiz para aqui colocar. Espero que gostem mas o melhor é mesmo ir lendo o poema que lhes deixo logo de seguida.


Acordar tarde

tocas as flores murchas que alguém te ofereceu
quando o rio parou de correr e a noite
foi tão luminosa quanto a mota que falhou
a curva - e o serviço postal não funcionou
no dia seguinte

procuras ávido aquilo que o mar não devorou
e passas a língua na cola dos selos lambidos
por assassinos - e a tua mão segurando a faca
cujo gume possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais - nada a fazer

irás sozinho vida dentro
os braços estendidos como se entrasses na água
o corpo num arco de pedra tenso simulando
a casa onde me abrigo do mortal brilho do meio-dia

A propósito de Jorge Palma… na próxima terça-feira dia 20 todos ao coliseu! Eu vou lá estar eheheh e roam-se de inveja os que não forem porque tenho a sensação que vai ser daqueles concertos que dificilmente se esquecem!

segunda-feira, novembro 05, 2007

Letras

"Trocaria a memória de todos os beijos que me deste por um único beijo teu. E trocaria até esse beijo pela suspeita de uma saudade tua, de um único beijo que te dei." Miguel Esteves Cardoso


Nem só de prémios Nobel, de Lobos Antunes e demais notáveis são feitas as nossas letras.
Nem só de romances e romancistas, de poemas e poetas se faz a literatura.
O escritor português do qual li mais obras chama-se Miguel Esteves Cardoso, não os romances que escreveu, mas sim os seus livros de crónicas.
“A causa das coisas”, “As minhas aventuras na republica portuguesa”, e “O último volume” entre alguns outros são exemplos da genialidade do autor.
Da análise brilhante da tragédia até à gargalhada vinda do humor corrosivo e irreverente é um pequeno passo.
Miguel Esteves Cardoso é um crítico, escritor e destacado jornalista português, licenciou-se em Estudos Políticos e Doutorou-se em Filosofia Política.

Desde o arrebatador "Elogio ao Amor" até às hilariantes explicações dos mais peculiares hábitos do cidadão português, Esteves Cardoso mostra compreender como poucos o país e o seu povo. Ensina-nos que a tomada de consciência dos nossos defeitos e virtudes passa em primeira instância pela capacidade de rir de nós próprios…de levar o exagero ao ponto do ridículo e mesmo assim ser sábio nas palavras ditas.

Talvez o seu lado polémico e excentrico acentuado por aparições em programas televisivos como "raios e curiscos" ou "a noite da má língua", ou a participação ao lado de Paulo Portas no jornal "O Independente" tenham desviado a atenção de muitos da sua verdadeira capacida literária...mas os livros estão à venda logo ainda não é tarde para quem quiser descobrir um grande autor!

"(...) Quando se é feliz muito novo, a única obsessão que se tem é aguentar a coisa. Vive-se ansiosamente com a desconfiança, quase certeza da coisa piorar. O pior é que as pessoas que se habituaram a serem felizes não sabem sofrer. Sofrem o triplo de quem já sofreu.É injusto mas é assim. No amor é igual. Vive-se à espera dele e, quando finalmente se alcança, vive-se com medo de perdê-lo. E depois de perdê-lo, já não há mais nada para esperar. Continuar é como morrer. As pessoas haviam de encontrar o grande amor das suas vidas só quando fossem velhas. É sempre melhor viver antes da felicidade do que depois dela." Miguel Esteves Cardoso