domingo, fevereiro 11, 2007

A vitalidade de uma grande Senhora

Corria o ano de 1991, e uma família levou um petiz, na altura sem ter completado ainda 10 anos de idade a ver “uma revista à portuguesa” no Teatro Nacional Dª Maria II.
Das poucas recordações que sobrevivem dessa noite mágica na minha memória, há uma que não se apaga com o tempo.
É a memória de uma voz a solo no centro do palco, uma voz forte, mas que não era de homem. Uma voz que arrepiava, mas não metia medo…uma voz que mais tarde vim a saber pertencer a Simone de Oliveira.

Simone é das personalidades portuguesas que vejo representar cantar, e simplesmente falar, cuja presença mete respeito e ao mesmo tempo inspira aqueles que ainda sendo jovens parecem ter receio de se impor a sua presença no mundo.

Simone mais do que um talento imenso, sobressai pela personalidade.
Sobressai pela emoção com que canta puxando as notas mais improváveis através da sua voz inconfundível…e cerrando o punho as atira à nossa com o mesmo descaramento e convicção com que cantou a “Desfolhada” no festival da canção de cabeça erguida e nariz empinado, desafiando a censura do estado novo.

Quando, entre 1969 e 1972, um problema nas cordas vocais a impediu de cantar, Simone para sobreviver lançou mãos à escrita em Jornais e Revistas, e à Locução na Rádio e na Televisão.
Uma mulher de armas, com vontades férreas e uma elegância desconcertante! Alguém cujo rosto tão depressa é austero revelando um personalidade firme como depressa se emociona com a palavra mais doce, ou se desfaz na mais sonora gargalhada.

Simone provou-nos a todos que a beleza de uma mulher não se perde com a idade, apenas se transforma.

Vou deixar-vos com a voz de Simone, a interpretar com uma intensidade única uma das mais belas letras jamais feitas para uma canção!

O poema é de José Luís Tinoco, e foi originalmente escrito para a voz de Carlos do Carmo




No teu poema
existe um verso em branco e sem medida,
um corpo que respira, um céu aberto,
janela debruçada para a vida.

No teu poema existe a dor calada lá no fundo,
o passo da coragem em casa escura
e, aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite,
o riso e a voz refeita à luz do dia,
a festa da Senhora da Agonia
e o cansaço
do corpo que adormece em cama fria.
Existe um rio,
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.

No teu poema
existe o grito e o eco da metralha,
a dor que sei de cor mas não recito
e os sonhos inquietos de quem falha.

No teu poema
existe um cantochão alentejano,
a rua e o pregão de uma varina
e um barco assoprado a todo o pano.
Existe um rio
O canto em vozes juntas, em vozes certas
Canção de uma só letra e um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas
Existe um rio
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.

No teu poema
existe a esperança acesa atrás do muro,
existe tudo o mais que ainda me escapa
e um verso em branco à espera de futuro.

11 comentários:

Custódia C. disse...

É lindo sim o poema e a Simone é uma Grande Senhora!

as velas ardem ate ao fim disse...

Por tudo o que escreveste e por tudo o que ela já lutou...SIMONE é uma lição de vida para todos nós.

Lua disse...

Uma grande Sra da Música Portuguesa, com uma voz poderosa e uma presença em palco inegualável.

desculpeqqc disse...

Excelente momento. Os meus parabéns.

sem-comentarios disse...

Contráriamente ao que toda a gente diz, acho que essa sra. estragou a voz quando foi ao festival da canção ( ainda eu não tinha nascido, mas é o que oiço e pelas antigas gravações da RTP ).

Sinceramente, gostaria de ouvir uma Teresa Salgueiro ou uma Dulce Pontes a cantar esse lindissimo poema.
Agora a Simone de Oliveira, não me convence.

Anabela disse...

Eu não aprecio a Simone de oliveira, nem a cantar, nem a falar, nem calada... mas isso já tu o sabias, João... No entanto, é com muito agrado que te vejo reescrever aqui neste cantinho. Bom regresso.

borrowingme disse...

feliz dia de são valentim
bjs

João Silva disse...

sem-comentários;
creio que a alteração de voz que falas foi devido a um problema nas cordas vocais que a impediu de cantar durante muito tempo, e após essa situação a voz naturalmente não voltou a ser exacamente igual.

João Silva disse...

xôra dôna anabelacps;
Admiro a frontalidade ;)
Tinha uma vaga ideia de que não apreciavas a senhora mas como quem manda aqui na barraca sou eu...espero que o próximo te agrade mais!

João Silva disse...

borrowing me, ...antes fosse! talvez para o ano!

Anabela disse...

"xôra dôna..."???

Mau... começaste a falar com pronúncia? lol

Só para não te ouvir falar assim, vou-me conter... mas não prometo nada. lololol