quarta-feira, setembro 06, 2006

O velho e o novo

A poesia para ser bela não precisa de doce, de falar de amores épicos nem da imensidão do mar….etc. A poesia pode ser bela sendo, dura e fria, agitando consciências e sendo inquietante e desconcertante para a mente de quem a lê e escuta.

É por isto que vos venho falar de António Lobo Antunes e dos Boitezuleika.
O que é que uma coisa tem com a outra? Vamos por partes!

Os Boitezuleika são das bandas recentes aquela que mais me agrada! Têm um excelente álbum chamado “éramos assim”. Ganharam o concurso de bandas da Antena 3.
Se ainda não sabem de quem falo talvez se disser que a sua musica mais conhecida diz o seguinte. “eu sou um cão muito mau, porque não me dão afecto….”.
Eles misturam um pop-rock alternativo com som de bossa-nova e outros ritmos. Um saxofonista simplesmente espectacular, as 2ªs vozes femininas em contraponto ao vocalista, dão a esta banda uma classe inquestionável.

António Lobo Antunes escreveu há uns anos um poema chamado “Bolero do coronel sensível que fez amor em Monsanto”, poema esse que foi transposto para a musica pela voz de Vitorino.

É este poema que vos trago hoje recriado pelos boitezuleika de maneira exemplar! Eles conseguem dar ainda maior ênfase ao conteúdo do poema pela maneira sofrida, pesada e arrastada como ele é cantado.



Eu que me comovo
Por tudo e por nada
Deixei-te parada
Na berma da estrada
Usei o teu corpo
Paguei o teu preço
Esqueci o teu nome
Limpei-me com o lenço
Olhei-te a cintura
De pé no alcatrão
Levantei-te as saias
Deitei-te no banco
Num bosque de faias
De mala na mão
Nem sequer falaste
Nem sequer beijaste
Nem sequer gemeste,Mordeste, abraçaste
Quinhentos escudos
Foi o que disseste
Tinhas quinze anos Dezasseis, dezassete
Cheiravas a mato
À sopa dos pobres
A infância sem quarto
A suor, a chiclete
Saíste do carro
Alisando a blusa
Espiei da janela
Rosto de aguarela
Coxa em semifusa
Soltei o travão
Voltei para casa
De chaves na mão
Sobrancelha em asa
Disse: fiz serão
Ao filho e à mulher
Repeti a fruta
Acabei a ceia
Larguei o talher
Estendi-me na cama
De ouvido à escuta
E perna cruzada
Que de olhos em chama
Só tinha na ideia
Teu corpo parado
Na berma da estrada
Eu que me comovo
Por tudo e por nada

PS: Outra musica dos boitezuleika que vale muito a pena procurar e ouvir chama-se "espero-te na estação(comboio)"

9 comentários:

Anónimo disse...

pormenor (de palmatória): "á uns tempos" não, "há uns tempos"

The Star disse...

Mais um bom exemplo de como um poema, se torna a letra de uma música...

Anabela disse...

Tu andas terrível, meu rapaz.

João Silva disse...

anabelacps, Terrivel? lol não percebi se era elogio ou insulto....
se puderes explica-me como se eu fosse um jovem de 20 e poucos anos!

João Silva disse...

prof, espero que esta distração entretanto corrigida não me prejudique na avaliação!
...obrigado

Anónimo disse...

Já conhecia este poema...
É nú e crú...
...mas é verdadeiro!!
A melhor poesia,é aquela que te lê e não a que tu lês.(já li isto em qualquer lado e ficou-me retido no pensamento...)
Desculpa a invasão, mas a porta estava entreaberta e resolvi entrar para espreitar.

Um beijinho... posso deixar?
Um eco... vou deixar sem perguntar...

PS. Gostei do teu comentário num determinado blog e segui o teu rasto

Anabela disse...

Terrível não é necessariamente horrível. Também não é necessariamente mau. Neste caso significa que tens mostrado boas letras. Vá, não te babes.

Andas, portanto, terrível, no bom sentido. Aliás, se não fosses terrível, não te lia...

Satisfeito, ó jovem de 20 e poucos anos?lol

Elisheba disse...

....é por isso prefiro a dureza de palavras se esta for para ESCANCARAR A VERDADE!!!


A verdade da dura realidade!....em forma de poesia, em forma de VIDA!

A frontalidade nua e crua, na vida de uma prostituta, tão marginalisada, tão incompreendida!

Gabriela Barbosa disse...

Eu quero ler o "Cús de Judas".Minha professora de Literatura Portuguesa falou que é ótimo!!!Vc já o leu???